A estratégia de Donald Trump para a China
Alastair Crooke -
Donald Trump quer ser poderoso o bastante para ameaçar militarmente a China e, portanto, quer que Vladimir Putin concorde rapidamente com um cessar-fogo na Ucrânia, para que os recursos militares possam ser transferidos para o teatro de operações da China
1.
Um ultimato de Donald Trump ao Irã? O coronel Doug Macgregor compara o ultimato do presidente norte-americano ao Irã àquilo que, em 1914, a Áustria-Hungria fez à Sérvia: em suma, uma oferta que “não poderia ser recusada”. A Sérvia aceitou dos nove dez critérios, recusou um, e a Áustria-Hungria declarou guerra imediatamente.
Em 4 de fevereiro, logo após sua posse, o presidente Donald Trump assinou um Memorando Presidencial de Segurança Nacional (NSPM); ou seja, uma cláusula juridicamente vinculante, que impõe às agências governamentais a execução de ações específicas e com a dívida precisão.
A cláusula estabelece que o Irã seja privado de uma arma nuclear, de mísseis intercontinentais e de outras capacidades de armas assimétricas e convencionais. Todas essas demandas vão além das já existentes TNP (Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de 1970) e JCPOA (Plano de Ação Global Conjunta, de 2015). Para esse fim, o Memorando Presidencial de Segurança Nacional (i) direciona a pressão econômica máxima, a carga do Tesouro dos Estados Unidos, para reduzir as exportações de petróleo do Irã para zero; (ii) busca do acionamento do snapback (represália) de avaliações do JCPOA; e (iii) se apresenta para neutralizar a “influência maligna do Irã no exterior” – o Eixo da Resistência.
O snapback das avaliações da ONU expira em outubro, então o tempo é curto para cumprir os seus requisitos formais. Isso insinua a razão pela qual Trump e autoridades israelenses dão a primavera como prazo final para um acordo negociado.
O ultimato de Donald Trump ao Irã parece estar conduzindo os Estados Unidos por um caminho no qual a guerra é o único resultado, tal como ocorreu em 1914: um resultado que desencadeou a Primeira Guerra Mundial. Seria apenas uma fanfarronice de Donald Trump? É possível, mas assim como se Donald Trump estivesse emitindo demandas juridicamente vinculantes que ele espera que não possam ser atendidas. Sua liberdade deixaria o Irã, no mínimo, castrado e despojado de soberania. Há também um “tom” implícito nessas exigências: ameaçar e esperar uma mudança de regime no Irã como resultado.
Pode ser uma fanfarronice de Donald Trump, mas o presidente tem o “feitio” (convicções passadas) para fazê-lo. Ele aderiu descaradamente à linha de Benjamin Netanyahu sobre o Irã, de que o JCPOA (ou qualquer acordo com o país persa) é “ruim”. Em maio de 2014, Donald Trump retirou os Estados Unidos do JCPOA, sob o comando de Benjamin Netanyahu, e, em seu lugar, divulgou um novo conjunto de 12 critérios ao Irã, que incluíam abandonar permanente e constantemente seu programa nuclear para todo o sempre, além de cessar tudo e qualquer enriquecimento de urânio.
2.
Qual é a diferença entre as demandas anteriores de Donald Trump e essas agora de fevereiro? Essencialmente, são as mesmas, exceto que hoje ele diz: Se o Irã “não fizer um acordo, haverá bombardeios. Serão bombardeios como nunca se viu antes”.
Assim, há tanto a experiência histórica quanto ao fato de que Donald Trump está cercado – pelo menos nessa questão – por uma cabala hostil de israelenses Firsters (excepcionalistas) e Super Hawks (superfalcões). O enviado para o Oriente Médio, Steve Witkoff, está nessa dança, mas mal orientado nos seus termos. Donald Trump também se mostrou virtualmente totalitário no que respeita a qualquer crítica que seja a Israel no âmbito da academia norte-americana. E em Gaza, Líbano e Síria, ele apoia integralmente uma agenda expansionista e provocadora da extrema direita de Benjamin Netanyahu.
As demandas atuais em relação ao Irã também vão contra a última Avaliação de Ameaça, da Inteligência norte-americana, de 25 de março de 2025, de que o Irã não está construindo uma arma nuclear. Essa avaliação de inteligência está sendo eficaz desconsiderada. Poucos dias antes de sua divulgação, o Conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, Mike Waltz, declarou explicitamente que a administração de Donald Trump está buscando o “desmantelamento total” do programa de energia nuclear do Irã: “O Irã tem que desistir de seu programa de modo a que o mundo inteiro possa ver”, disse Mike Waltz. “É hora de o Irã se afastar completamente de seu desejo de ter uma arma nuclear”.
Por um lado, parece que, por trás desses ultimatos, está um presidente que ficou “irritado e furioso” com sua incapacidade de acabar com a guerra na Ucrânia quase imediatamente – como inicialmente sugerindo –, junto com a pressão de um Israel amargamente fraturado e um Benjamin Netanyahu volátil para comprimir o cronograma em direção à “solução final” do “regime” iraniano (que, alega ele, nunca foi tão fraco). Tudo para que Israel normalize sua posição frente ao Líbano – e mesmo à Síria. Assim, com o Irã concluído entrevado, obrigação com a implementação do projeto do Grande Israel, a ser normalizado em todo o Oriente Médio.
Isso, por outro lado, permitiria então que Donald Trump mire na direção ao “tão esperado” grande pivô para a China. (E para a China, vulnerável em termos de energia, uma mudança de regime em Teerã seria, da perspectiva chinesa, uma calamidade).
3.
Sendo explícito, a estratégia de Donald Trump para a China precisa entrar logo em vigor, para avançar os planos de reequilíbrio do sistema financeiro, tal como idealizado pelo presidente americano. Pois se a China se sentir sitiada, ela pode muito bem agir como um agente de destruição do seu projeto. O jornal Washington Post relatou a existência de um memorando “secreto” do Pentágono, comandado por Pete Hegseth, de que “a China [agora] é a única ameaça iminente para o Departamento [de Defesa], [junto] com o impedimento de uma ocupação final de Taiwan pela China – ao mesmo tempo em que se defende a pátria norte-americana”.
A “construção do planejamento de força” (um desses conceitos prolixos ao gosto da burocracia estratégica americana, que busca manifestar como o Pentágono poderia construir e dotar de recursos as forças armadas, passando o enfrentamento das ameaças percebidas) só deve considerar um conflito com Pequim em termos de planejamento das contingências de uma guerra entre grandes potências, diz o memorando do Pentágono, deixando a russa uma carga dos aliados europeus.
Donald Trump quer ser poderoso o bastante para ameaçar militarmente a China e, portanto, quer que Vladimir Putin concorde rapidamente com um cessar-fogo na Ucrânia, para que os recursos militares possam ser transferidos para o teatro de operações da China.
Em seu voo de volta para Washington, no último domingo à noite, Donald Trump reiterou seu aborrecimento com Vladimir Putin, mas acrescentou: “Não acho que ele vá voltar atrás em sua palavra, eu o conheço há muito tempo. Sempre nos demos bem”. Questionado sobre quando queria que a Rússia concordasse com um cessar-fogo, Donald Trump disse que havia um “prazo psicológico”. “Se eu achar que eles estão nos enrolando, não ficarei feliz com isso”.
O desabafo de Donald Trump contra a Rússia pode ter talvez um tom de reality show. Para seu público doméstico, ele precisa ser percebido como alguém que traz “a paz pela força”, ou seja, deve manter as aparências de macho alfa, uma vez que a evidência de sua completa falta de influência sobre Putin não pode se tornar gritante demais para o público americano e para o mundo.
Parte da razão para a frustração de Donald Trump também pode ser tributada à sua formação cultural como empresário nova-iorquino, para quem um acordo significa, antes, dominar as negociações, e então, rapidamente, destruir as resistências. No entanto, não é assim que a diplomacia funciona. A abordagem negocial também reflete visões conceituais profundas.
O processo de cessar-fogo na Ucrânia está paralisado, não por causa da intransigência russa, mas sim porque a equipe de Donald Trump decidiu alcançar um acordo na Ucrânia exige, em primeiro lugar, a insistência num cessar-fogo unilateral e imediato – sem considerar uma governança temporária que permita eleições na Ucrânia, e tampouco as raízes do conflito. E, em segundo lugar, porque Donald Trump se apressou, sem escutar o que os russos estavam dizendo e/ou sem querer dar-lhes ouvidos.
Agora que as gentilezas iniciais acabaram, e a Rússia está dizendo categoricamente que as atuais propostas de “cessar-fogo” são simplesmente convincentes e inaceitáveis, Donald Trump fica furioso e ataca Putin, dizendo que tarifas de 25% sobre o petróleo russo podem surgir a qualquer momento.
Vladimir Putin e o Irã estão agora sob “prazos” (um “psicológico” no caso de Putin), que visam permitir a Donald Trump obrigações com uma ameaça crível à China para que possa estabelecer seus termos o mais rápido possível, uma vez que a economia global já parece estar cambaleando.
4.
Donald Trump solta fumaça e cobre fogo. Ele tentou apressar as coisas fazendo um grande show de bombardeio aos Houthis, gabando-se de que eles foram duramente atingidos, com muitos dos seus líderes mortos. No entanto, a insensibilidade frente às mortes de civis iemenitas não combina com sua alegada empatia de sentir-se condoída por milhares de “belos” jovens ucranianos que morrem desnecessariamente nas linhas de frente. Tudo, então, vira realidade.
Donald Trump ameaçou o Irã com “bombardeios como nunca viram antes”, por causa de um ultimato que provavelmente não poderá ser atendido. Simplificando, essa ameaça (que inclui o possível uso de armas nucleares) não é feita porque o Irã representa uma ameaça aos Estados Unidos. Ele não representa. Mas é feito como uma opção. Um plano; uma “coisa colocada calmamente na mesa” geopolítica e destinada a espalhar o medo. “Cidades cheias de crianças, mulheres e idosos para serem mortos: Não é moralmente errado. Não é um crime de guerra”.
Não. Apenas a “realidade” de que Donald Trump considera o programa nuclear iraniano uma ameaça existencial para Israel. E que os Estados Unidos estão comprometidos no uso da força militar para eliminar ameaças existenciais a Israel.
Este é o cerne do ultimato de Donald Trump. Ele deve ao fato de que é Israel – não os Estados Unidos, e não a comunidade de inteligência norte-americana – que vê o Irã como uma ameaça existencial. Michael Hudson, falando com conhecimento de causa dos bastidores políticos, diz: “não se trata apenas de que Israel, como o contratempos, deva ser protegido do terrorismo” – posição explicitada por Donald Trump e sua equipe, além de ser a narrativa israelense, por excelência, secundada por seus apoiadores – “trata-se de uma diferente”. Há cerca de dois ou três milhões de israelenses que se pretendem controlar tudo o que hoje chamamos de Oriente Médio, o Levante, o que alguns chamam de Ásia Ocidental – e outros chamam de “Grande Israel”. Esses sionistas acreditam que têm um mandato de Deus para levar toda essa terra. E todos aqueles que a isso se opõem são amalequitas. Os sionistas acreditam que as amalequitas são aquelas consumidas por um desejo avassalador de matar judeus e que, portanto, devem ser aniquiladas.
A Torá registra a história de Amalek: Parashat Ki Teitzei, quando a Torá declara, “machoh timcheh et zecher Amalek ” (“devemos apagar a memória de Amalek”). “Todos os anos, nós [judeus] vemo-nos obrigados a ler não como Deus destruirá Amaleque, mas como devemos destruir Amaleque”. (Mesmo que muitos judeus se perguntem como conciliar esta mitzvá com seus valores contrários, assentados sobre a compaixão e a misericórdia).
Esse mandamento na Torá é, de fato, um dos principais elementos na raiz da obsessão de Israel com o Irã. Os israelenses perceberam o Irã como uma tribo amalequita, conspirando para matar judeus. Nenhum acordo, nenhum compromisso, portanto, é possível. E isso também diz algo, evidentemente, sobre o desafio estratégico do Irã (mesmo que secular) ao Estado israelense.
O que se tornou o ultimato de Donald Trump tão urgente na visão de Washington – além das considerações sobre o pivô da China – foi o assassinato de Sayyed Hassan Nasrallah. Esse fato marcou uma grande mudança no pensamento político norte-americano, porque, antes disso, vivíamos uma era de cálculos cuidadosos, movimentos incrementais, subindo uma escada rolante. O que se entende agora é que “não estamos mais jogando xadrez”. Não há mais regras.
Israel (Netanyahu) está fazendo de tudo em todas as frentes para mitigar as divisões e a turbulência em Israel, e inflamando a frente iraniana, mesmo que esse caminho possa muito bem significar a destruição do seu país. Essa última perspectiva parece marcar a mais vermelha das “linhas vermelhas” para as estruturas arraigadas do estado profundo norte-americano.
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Publicado orixinalmente no portal da Strategic Culture Foundation.
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[Artigo tirado do sitio web aterraéredonda, do 8 de abril de 2025]