Uma opinião diferente do pensamento neoliberal dominante sobre as tarifas de Trump
Eugénio Rosa -
A implosão da globalização neoliberal que causou a desindustrializou do “Ocidente” e provocou a desertificação de regiões inteiras antes prosperas, que permitiu aos grandes grupos económicos e financeiros obter lucros gigantescos , mas que aumentou as desigualdades de riqueza e de rendimento a um nível insustentável
Os defensores da globalização neoliberal dominante nas últimas décadas (jornalistas, comentadores economistas que dominam as televisões e jornais sem contraditório) estão em estado de choque, até desnorteados, e incapazes de analisar de uma forma objetiva as razões da política de tarifas aduaneiras aplicadas a “países amigos e a países não amigos” por Trump. Na incapacidade para compreender o mundo atual em profunda mudança, explicam-na como a política de um populista, narcisista, arrogante, beligerante, inconstante, vaidoso, inimigo do multilateralismo, agressivo, autoritário, antidemocrático, etc. etc. Ele pode ser tudo isto e ainda mais, mas isso não explica a razão por que um homem como Trump tenha sido eleito, por duas vezes, presidente dos EUA, a “pátria da democracia e da liberdade” como aqueles que agora o criticam ferozmente declaravam antes por toda a parte.
O aumento enorme das desigualdades nos Estados Unidos: os ricos ainda mais ricos, e os pobres mais pobres
Para compreender o que aconteceu e está a acontecer nos EUA, e não só (na Europa já há sinais muitos claros do mesmo, só os que se mantêm cegos e surdos é que não vêm nem ouvem) é preciso analisar as consequências da globalização neoliberal selvagem e sem controlo para os americanos e para o mundo, ditada pelo poder hegemónico dos EUA. Comecemos pelos EUA que são agora, para os dirigentes e fazedores da opinião publica ocidental, a fonte de todos os males. E utilizaremos a linguagem fria, mas objetiva dos números. Comecemos por analisar a repartição da riqueza nos Estados Unidos entre os 1% mais ricos e os 50% mais pobres no período de 2000/2023 (o vermelho dos republicanos são os anos de Trump, o azul dos democratas são de Biden de que dispõem de dados).
Quadro 1- A repartição da riqueza nacional líquida nos Estados Unidos pelos 1% da população constituída pelos mais ricos e por 50% da população constituída pelos mais pobres – 2000 a 2023
FONTE: wid.world
Entre 2000 e 2023, nos Estados Unidos, a percentagem da riqueza nacional líquida possuída pelos 1% mais ricos da população aumentou de 32% para 35,5% (+3,5 pontos percentuais), enquanto a parcela da riqueza detida pelos 50% da população mais pobre diminuiu de 1,8% para apenas 1,4% da riqueza total (-0,4 pontos percentuais). Os muitos ricos tornaram-se ainda mais ricos, e os muitos pobres ficaram ainda mais pobres. Como revelam também os dados do quadro, incompreensível e dramaticamente, nos anos da 1ª presidência de Trump as desigualdades diminuíram (em % do total, a riqueza dos muito ricos diminuiu de 36,1% para 34,2%, e a dos 50% mais pobres aumentou de 1,2% para 1,4%), enquanto durante Biden os ricos tornaram-se mais ricos (a sua riqueza aumentou de 34,2% para 35,5% do total), enquanto a parcela detida pelos mais pobres diminuiu (passou de1,6% para apenas 1,4% do total). Eis a realidade que é ignorada na Europa o que leva a uma grande incompreensão da atitude do eleitorado americano.
A deslocalização maciça das grandes empresas americanas à procura de mão-de-obra-barata, a destruição total da indústria em varios estados, e o enorme desemprego industrial nos EUA
O quadro mostra, de uma forma quantificada, a situação nos Estados Unidos e na China em relação à contribuição da indústria para o PIB e para o emprego.
Quadro 2- Evolução da contribuição da indústria para o PIB e para o emprego nos EUA e na China- 2000/2024
FONTE: EUA:Bureau of Economic Analysis (BEA); CHINA: National Bureau of Dstatisttics of China (NBS)
Entre 2000 e 2024, a percentagem de trabalhadores com emprego na indústria nos EUA diminuiu de 13,1% para apenas 8,3% (-4,8 pontos percentuais), enquanto na China aumentou de 22,5% para 26,2% do total de trabalhadores (+3,7 pontos percentuais). Em relação à contribuição da indústria para o PIB, entre 2000 e 2024, no EUA diminuiu de 19,8% para 14,9% do PIB e, na China, de 45,9% para 36,2% do PIB. Apesar desta descida a contribuição da indústria em percentagem do PIN na China é cerca de 2,5 vezes superior à do EUA. A deslocalização impulsionada pela globalização neoliberal teve consequências dramáticas no próprios EUA que normalmente são ignoradas, embora tenha permitido aos grandes grupos económicos e financeiros (e às tecnológicas) lucros gigantescos.
Alguns exemplos de grandes empresas americanas “muito patriotas” que deslocalizaram grande parte da sua produção para outros países onde os custos (ex. mão de obra), são muito mais baixos para aumentar os seus lucros:
Apple: Transferiu grande parte da produção de iPhones, iPads e AirPods para a China (via Foxconn) e, mais recentemente, para Vietnã e Índia. Em 2021, a Apple começou a mover a produção de AirPods para o Vietnã devido a tensões comerciais com a China.
General Electric. Deslocalizou produção de eletrodomésticos e componentes para México e China nas décadas de 1990/2000.
Ford: Expandiu operações no México, com fábricas em Chihuahua e Hermosillo produzindo veículos para exportação para os EUA.
Carrier: Em 2017, apesar promessas Trump para manter empregos nos EUA, deslocou 1.300 empregos de Indiana para México.
Nike: Transferiu a produção de calçados para Vietnã (50% de sua produção em 2020) e Camboja, reduzindo a dependência China.
Dell: Deslocalizou fabricação de computadores para China e México.
Boeing: Algumas peças de aviões são produzidas em fornecedores no México e Canadá.
A deslocalização das empresas americanas para o estrangeiro teve consequências graves na economia e na sociedade dos EUA das quais destacamos as seguintes:
Desemprego: A deslocalização causou perdas significativas de empregos, especialmente naindustria. Entre 1998 e 2020, 5 milhões de empregos manufatureiros desapareceram nos EUA (EPI).
Pressão salarial: A competição com trabalhadores estrangeiros reduziu os salários em indústrias expostas ao comércio internacional, contribuindo para a estagnação salarial nos EUA.
Erosão da base industrial dos EUA: Cerca de 70.000 fábricas fecharam entre 1998 e 2020, enfraquecendo a capacidade industrial dos EUA.
Um outro aspeto que normalmente é ignorado na análise da deslocalização é que a produção destas empresas deslocalizadas para além de procurarem dominar o mercado local, parte dela é exportada pera os EUA fazendo uma concorrência desleal às empresas que não se deslocalizaram, pois, é obtida a custos mais baixos.
Como revela o quadro 3 uma parcela importante do défice da balança comercial dos EUA com estes 4 países resulta da produção de empresas americanas que se deslocalizaram para esses países e que depois exportam uma parte da sua produção para os EUA, criando uma concorrência desleal com as que não se deslocalizaram levando milhares delas à falência, e apoderando-se desta forma da maior parte do mercado dos EUA e arrecadando lucros gigantescos. O mesmo sucede em relação ao mercado europeu para onde também vendem.
Para além disto tudo há ainda acrescentar a elevada dependência de grandes cadeias de fornecimento deslocalizadas para países de baixos custos de que são exemplos as que se apresentam seguidamente:
A análise feita torna, a meu ver, mais clara e compreensível as razões da política de tarifas de Trump. Ela tem como base a situação de dependência real em que se encontra os EUA causada por uma globalização neoliberal selvagem e sem qualquer controlo que eles próprios promoveram e que possibilitou lucros gigantescos aos grandes grupos económicos, financeiros e tecnológicos, mas com consequências dramáticas para a maioria do povo americano. Na Europa a situação causada por esta globalização neoliberal selvagem é, “mutatis mutandis”, muito semelhante (à semelhança do que se verificou nos EUA, em que regiões industriais foram completamente dizimadas de que é ex. os estados do chamado Rust-Belt que deram a vitória a Trump, também na Alemanha sucedeu o mesmo na Baviera, Saxónia ,Baden-Württemberg e Renânia do Norte-Vestfália). O que Trump está a tentar fazer é, a seu ver, reverter a situação em que caiu os EUA. Quem ignorar esta realidade será incapaz de compreender a razão e o racional da política de Trump. Terá êxito? Só o futuro o dirá. E as previsões catastróficas não têm aderência à realidade. A Europa será confrontada com o mesmo problema pois a implosão da globalização também a atingirá .Interessa esclarecer que se a U.E. retaliar, as tarifas que aplicar, que são impostos, serão pagas pelos consumidores. E tarifas de retaliação a adicionar aos efeitos de ricochete das sanções dá mais inflação. Mas essa análise ficará para outro estudo.
[Artigo tirado do sitio web portugués Odiario.info, do 9 de abril de 2025]