Brasil: O novo mundo do trabalho e a organização dos trabalhadores
Francisco Alano -
Em janeiro deste ano o CAGED mostrou que 37,9% dos desligamentos do emprego foram a pedido do trabalhador. O perfil desses trabalhadores são: mais jovens, mulheres e comerciários. Os principais motivos para pedir para sair são novas vagas em vista, problemas de saúde mental, problemas éticos das empresas, expedientes prolongados, horários sem flexibilidade, chefes tóxicos, trabalho nos finais de semana, a noite e feriados e escala 6 x 1, com uma só folga semanal
1.
O novo mundo do trabalho tem beneficiado apenas àqueles que detém o domínio dos meios de produção e a capacidade de investimento, fruto do acúmulo e concentração de riquezas e da exploração do trabalho.
A precarização das relações de trabalho tem se aprofundado cada vez mais nos últimos anos, principalmente após a reforma trabalhista e sindical do governo de Michel Temer, no seu projeto Uma ponte para o futuro, e aprofundada ainda mais no governo de Jair Bolsonaro.
Segundo algumas estatísticas, mais de 40 milhões de trabalhadores estão na informalidade ou exercendo atividades precarizadas, como trabalho nas plataformas digitais, pejotização, trabalho intermitente, cooperativas de trabalho de fachada, terceirização, dentre outras modalidades de relação de trabalho.
Nas atividades que representamos, (comércio e serviços) a exploração do trabalho aumentou muito, resultado da baixa remuneração, extensas jornadas de trabalho, trabalho nos domingos e feriados, assédio moral, tratamento desumano aos trabalhadores, como aconteceu recentemente em uma das filiais dos Supermercados Imperatriz, filial de Rio do Sul, condenada em um processo trabalhista movido por uma funcionária, por ser impedida, com frequência, de ida ao banheiro para as suas necessidades fisiológicas e até mesmo para a troca de absorvente.
A jornada de trabalho da categoria comerciária, muitas vezes de doze, treze por um, além do desrespeito ao descanso de 1 por 1 (trabalha um domingo e descansa outro) para as mulheres, previsto no artigo 386 daConsolidação das Leis do Trabalho, utilização de banco de horas, exigindo quase sempre jornadas de trabalho extenuantes, sem pagamento de horas extras.
Na constituinte de 1988, conseguimos reduzir a jornada de trabalho oficial de 48 para 44 horas semanais, jornada que perdura por mais de 37 anos. Por outro lado, em muitas atividades, até mesmo no comércio, os ganhos de produção e produtividade, resultado do trabalho, aumentaram muitas vezes mais, no entanto, o valor de compra dos salários continuam igual ou até menores daqueles praticados antes de 1988.
A situação destes trabalhadores tem se agravado ainda mais, com a ampliação cada vez maior do funcionamento dos estabelecimentos comerciais, principalmente os supermercados, atacarejos e lojas de departamento. Iniciam as atividades às 6:00 horas e encerrando as 24:00 horas.
Os trabalhadores destes estabelecimentos invariavelmente ganham mal, moram na periferia das periferias dos nossos centros urbanos, em habitações precárias, até porque ganham mal e os alugueis são caros. Para chegar no emprego as 6:00 horas tem que estar de pé entre três e quatro horas da manhã e quando trabalham no turno da tarde e noite, só chegam em casa entre duas e três horas da manhã.
Tratando mais especificamente da remuneração destes trabalhadores, é outra realidade que tem que ser discutida e tratada com muita seriedade pelo movimento sindical. Os trabalhadores do comércio varejista, lojas de rua e de Shopping Center, tem a sua remuneração com base em comissão pela venda dos produtos ou serviços comercializados. São percentuais irrisórios que faz com que o trabalhador ou trabalhadora tenha que se desdobrar para atingir no final do mês uma remuneração muitas vezes insuficiente para a sua sobrevivência. Muitas destas empresas empregam ainda o expediente do prêmio por atingimento de metas de vendas. Quase sempre são metas inatingíveis, que apesar do grande esforço dos vendedores, chegam no final do mês sem o recebimento desta gratificação.
A remuneração também tem diminuído consideravelmente para os trabalhadores das lojas físicas, na medida em que as vendas online tem aumentado aceleradamente nos últimos anos, suprimindo venda destes trabalhadores e consequentemente diminuindo as suas remunerações.
2.
Os trabalhadores com remuneração fixa sobrevivem com salários extremamente arrochados. A média dos salários negociados nas Convenções Coletivas de Trabalho em Santa Catarina, para os trabalhadores no comércio, na indústria e serviços, gira em torno de R$ 1.800,00 mensais. Significa que o salário líquido diário, descontado vale transporte e contribuição previdenciária, está em torno de R$ 50,00. Este trabalhador, na prática, recebe 25% do salário mínimo constitucional calculado pelo Dieese, que está hoje em torno de R$ 7.200,00 para suprir as suas necessidades, com alimentação, lazer, saúde, educação, transporte e habitação.
Sobre a função de caixa dos estabelecimentos comerciais, a exploração, o assédio moral, a remuneração e o benefício da modernização dos instrumentos de trabalho são mais visíveis ainda. Estes trabalhadores são acometidos frequentemente com doenças tipo ler dort, pelo movimento repetitivo de milhares de registro dos produtos, doenças do aparelho urinário pela proibição de uso dos banheiros para as necessidades fisiológicas e ansiedade profunda pela necessidade de atendimento de longas filas de clientes.
Um caixa de supermercado que há 20, 30 anos atrás, registrava determinado número de produtos, pois tinha que digitar manualmente o preço ou código dos mesmos, hoje com código de barras ele ou ela registra dez vezes mais, causando desgaste físico, mental e emocional a estes ou estas trabalhadoras. Este é um exemplo de que as novas tecnologias beneficiam somente o capital, pois o empregado além de receber a mesma remuneração ou até menos, comparativamente há 30 anos atrás, há ainda a pressão sobre os sindicatos para que abram mão do chamado quebra de caixa, que hoje remuneram a penosidade da função.
Outra consequência da implantação de novas tecnologias no comércio, é a redução do número de caixas e mão de obra. Além da velocidade no registro das mercadorias, muitos estabelecimentos comerciais estão implantando auto atendimento e carrinhos inteligentes onde o clienteregistra a mercadoria e faz ele mesmo o pagamento das suas compras.
O empresariado reclama da baixa qualificação da mão de obra, da baixa produtividade e da falta de compromisso dos trabalhadores com o empreendimento empresarial. Esquecem eles das péssimas condições de vida dos trabalhadores, da impossibilidade de frequentar escolas de formação intelectual e profissional, pelos horários que exercem a sua profissão, pela remuneração que recebem e pela falta de iniciativa das empresas em formar mão de obra qualificada.
Em razão de todo este conjunto de política de exploração da mão de obra, parcela significativa dos trabalhadores, em algumas empresas chegando a 30%, estão acometidos de doenças do trabalho, como ler dort, ansiedade, depressão, síndrome do pânico, acidentes no trabalho e de percurso.
Estima-se que a mais valia no comércio, resultante de toda esta exploração é assustadoramente alta. Com o resultado econômico do trabalho de um só empregado, a empresa paga as despesas com o custo deste trabalhador e ainda paga o custo de mais três a quatro trabalhadores. Neste sentido, a empresa compra a força de trabalho dos seus trabalhadores, e ao invés de retirar o seu lucro da mercadoria produzida ou comercializada, ainda tem lucro considerável da exploração do trabalho, ao invés de pagar salários melhores.
A ACATS (Associação Catarinense de Supermercados de Santa Catarina) me convidou na época da Constituinte, para um debate sobre a proposta de aumento do tempo da licença maternidade.
As minhas considerações sobre o tema foram no sentido de que os empresários deveriam proteger estas mães gestantes, pois a maioria delas são trabalhadoras e pobres e estão gerando mão de obra barata, para serem explorados pelos mesmos. Lembrei ainda, que segundo estudos publicados pela folha de São Paulo, uma família para gerar, cuidar, propiciar formação para um filho ou filha, para coloca-la no mercado de trabalho, após 20 anos de existência, gasta em valores de hoje, em torno de R$ 700.000,00.
O empresário contrata esta mão de obra e não paga um centavo de indenização, compensação ou juros sobre o valor investido para a família que o preparou para o mercado. Pagam ainda salários aviltantes no final de cada mês, que na maioria das vezes não supre nem as necessidades básicas como alimentação, lazer, habitação, saúde, transporte, estudo, etc.
Fazendo um paralelo sobre a realidade atual e os tempos da escravidão em nosso país, os donos de engenho do período colonial, pagavam valores significativos para indenizar os custos daqueles que lhes forneciam a mão de obra escrava e hoje isso é completamente ignorado, apesar dos altos investimentos ou gastos para formação de um filho para o mercado de trabalho.
3.
Por fim, registro que o movimento sindical vive um dos piores momentos da sua história, principalmente a partir da reforma sindical e trabalhista do governo de Michel Temer, aprofundada no governo de Jair Bolsonaro. Além de eliminarem vários direitos dos trabalhares, implantaram medidas de precarização nas relações de trabalho, impuseram medidas de desmonte da organização sindical dos trabalhadores, eliminando ou dificultando principalmente as suas fontes de arrecadação.
Os sindicatos, particularmente em nosso estado, sofreram e sofrem uma perseguição implacável por parte de parcela do empresariado, práticas estas reconhecidamente nazifascista. Estes empresários orientam seus trabalhadores a não contribuírem com seus sindicatos e indo além, ao fomentarem a que estes trabalhadores repudiem qualquer tipo de ação sindical ou qualquer aproximação com seu sindicato. Por conta desta prática anti-sindical dos empresários catarinenses, Infelizmente, os trabalhadores elegeram os dirigentes sindicais e seus sindicatos como seus inimigos, o mesmo acontecendo com os sindicatos que elegem os trabalhadores também como seus inimigos.
Os trabalhadores estão chegando no seu limite de tolerância. Em janeiro deste ano o CAGED mostrou que 37,9% dos desligamentos do emprego foram a pedido do trabalhador e entre os profissionais com ensino superior incompleto ou completo chegou a 45%. O perfil desses trabalhadores são: mais jovens, mulheres e comerciários. Os principais motivos para pedir para sair são novas vagas em vista, problemas de saúde mental, problemas éticos das empresas, expedientes prolongados, horários sem flexibilidade, chefes tóxicos, trabalho nos finais de semana, a noite e feriados e escala 6 x 1, com uma só folga semanal.
Por isso não nos surpreende a grande repercussão e engajamento, principalmente dos trabalhadores jovens, ao projeto e campanha pelo fim da escala de trabalho de 6 x 1 (seis dias de trabalho por um de descanso). É hora de mudança, os trabalhadores não aguentam mais.
Medidas necessárias para serem implantadas na relação capital x trabalho:
(i) Redução imediata da jornada de trabalho. (ii) Aumento considerável e urgente da remuneração dos trabalhadores, estabelecendo como meta o salário mínimo constitucional. (iii) Revogação da reforma trabalhista implantada pelo governo de Michel Temer e aprofundada por Jair Bolsonaro. (iv) Revogação de todas as medidas de precarização implantadas pelos governos neoliberais. (v) Fim do trabalho nos domingos e feriados. (vi) Eliminação de todas as causas que resultem em doenças do trabalho. (vii) Campanha permanente de politização dos trabalhadores. (viii) Discussão urgente sobre a nossa organização sindical. (viii) Eleição de governantes e parlamentares comprometidos com as mudanças que interessam aos trabalhadores. (ix) Criar urgente canais digitais de comunicação com os trabalhadores. (x) Estabelecer políticas de aproximação do sindicato com a categoria. (xi) Realizar debates, cursos, seminários para a categoria. (x) Participar ativamente das ações e das lutas da CUT.
[Artigo tirado do sitio web brasileiro aterraéredonda, do 10 de abril de 2025]