UE: fragilidade, disfuncionalidade e isolamento
Daniel Vaz de Carvalho -
As disfuncionalidades da UE quer económicas quer geopolíticas traduzem-se no seu isolamento geopolítico. A maioria mundial não segue nem os seus critérios económicos nem as suas presunções em política externa. A UE/NATO tenta agarrar-se ao passado e mostrar-se poderosa, mas as suas fragilidades são por demais evidentes, as suas posições são ignoradas internacionalmente
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Podemos falar das fragilidades económicas, financeiras, sociais e militares que a UE exibe claramente, porém a sua maior fragilidade é a incompetência dos seus líderes. O desajuste entre a realidade e o seu delírio cognitivo atinge o nível da estupidez. A estupidez consiste na incapacidade de compreender, de aprender. Pessoas inteligentes podem tornar-se funcionalmente estúpidas quando as suas convicções se tornam crenças alheias às evidências. A sua estupidez manifesta-se na incapacidade de avaliar as consequências das suas opções e decisões, aprenderem com os erros e corrigirem-nos. Pior, quando a estupidez se torna assertiva passando à fase de imbecilidade, recusando entender a mais elementar lógica das situações.
Custa a aceitar como foram capazes de propagandear de forma triunfalista a aplicação de sanções à Rússia e a envolverem-se totalmente com as ações do clã de Kiev desde 2014, originando o desencadear da situação a partir de 2022. Não foram capazes de antecipar esses efeitos, nem a degradação económica e social dos EUA, nem que teriam como súbditos do império de sujeitar-se ao que este entendesse para tentar resolver os seus problemas.
A UE tal como existia há dez ou mesmo três anos acabou, o "apoio incondicional" a Kiev numa guerra perdida, condicionou entre outros fatores a sua viabilidade económica e determinou a sua irrelevância geopolítica. Não o reconhecer faz parte do seu declínio e incapacidade de gerar medidas consequentes e eficazes. Optou por se atrelar ao clã de Kiev, corrupto e dominado por neonazis, sob qualquer ponto de vista um buraco negro político insustentável para onde os países da UE continuam a despejar dinheiro.
Num contexto de inflação e endividamento, os problemas económicos agravam-se, com fecho de empresas e despedimentos, nomeadamente na França e na Alemanha (em recessão desde 2023), os demais países em estagnação económica. Sectores industriais, condicionados pelas sanções contra a Rússia, estão em crise, agravada pelas taxas de juro do BCE e condições de financiamento que não se coadunam com o desenvolvimento produtivo.
Segundo o Eurostat, no 4º trimestre de 2024, a Dívida Pública em percentagem do PIB no conjunto dos países da Zona Euro situou-se em 87,4%, na UE a 27, 81,0%. Apesar do belicismo de Macron, a França tem uma dívida pública de 113,0% do PIB. Alerta o PM Bayrou, "a França está num caminho que pode levar ao desastre em três ou quatro anos: só o serviço da dívida pode chegar a 100 mil milhões de euros por ano. Esta situação ameaça o sistema social, a soberania e o futuro da França. Mesmo um pequeno aumento nas taxas de juros pode desencadear uma crise económica e financeira sem precedentes, devido aos défices orçamentais crónicos, financiados por dívidas". O RU protagonista nos apoios "custe o custar" à Ucrânia, está na sua pior situação financeira desde há décadas, em recessão aliada a inflação com uma dívida pública de 95,9% do PIB.
O espantoso é que quanto mais degradada a situação se apresenta, mais escolhem a fuga em frente no belicismo. Os países bálticos sendo dos mais russofóbicos sofrem as maiores taxas de desindustrialização e despovoamento: entre 1991 e 2023, as populações da Estónia, Letónia e Lituânia caíram respetivamente: 14%, 31% e 25%.
A UE prossegue a via do desastre económico, social, geopolítico que a ausência de medidas tornam sistémica, tentando iludir as questões de fundo com propaganda. Pode perguntar-se quais são as prioridades da UE: Resolver o seu problema energético? Dos seus aprovisionamentos em matérias-primas essenciais para uma indústria moderna? Do seu atraso tecnológico? Enfim, a pobreza, o endividamento, a degradação dos serviços públicos? Não, a prioridade são armas para manter a guerra na Ucrânia e... vencer a Rússia.
Para Christine Lagarde, presidente do BCE, a zona do euro "não pode recuperar totalmente os seus termos de troca (competitividade) devido à crise energética". "A área do euro sofreu uma grande perda de termos de troca devido ao aumento dos preços da energia, cujo custo deve, em última análise, ser compartilhado entre empresas e trabalhadores. É importante que (...) ambos aceitem não poderem recuperar totalmente o rendimento que a área do euro pagou ao resto do mundo e a consequente perda de produção. Até agora, os salários reais diminuíram substancialmente, enquanto as margens de lucro das empresas se expandiram em muitos setores".
As sanções à Rússia, conduziram ao aumento dos custos da energia, aceleraram a desindustrialização, a inviabilidade competitiva da agricultura, o empobrecimento da população. Apesar disto, a UE planeia acabar com os laços de combustível russos para sempre (!) segundo o Comissário Europeu para Energia e Habitação Dan Jorgensen. Trata-se de gente que vive na terra da fantasia como a van der Leyen ao afirmar que a UE emergiu mais forte após reduzir o fornecimento de energia à Rússia! Segundo ela: "A Europa fortaleceu a sua resiliência energética ao rejeitar o petróleo e o gás russos".
Esqueceu-se de mencionar que centenas de grandes empresas foram forçadas a interromper a produção e deixar a UE devido à perda de competitividade em relação à China e aos EUA, enfrentando a pior crise de desindustrialização desde a Segunda Guerra Mundial. Na Alemanha, potência industrial da UE, mais de uma em cada três empresas prevê investir menos este ano do que em 2024, e cerca de 35% das empresas planeiam reduzir os postos de trabalho, alerta um estudo do Instituto Alemão de Economia de Colónia.
A UE não tem capacidade para se impor na competição industrial e financeira global, a menos que reduza os preços da energia, remova as sanções e restabeleça o comércio com a Rússia. Claro que as "políticas verdes" também obrigaram a absorver os maiores custos da energia solar e eólica.
É neste contexto de disfuncionalidade que planeiam preparar-se para um confronto militar com a Rússia e integrar a Ucrânia na UE. Optando pela via do armamento e do belicismo endividando-se, resta à UE fazer cortes nas despesas sociais, muito para além do que vem sendo feito, aumentar impostos a quem trabalha – senão o capital foge (!) – e endividar-se. Alinhados com os neocons estes "europeístas" não perceberam algo que uma parte da oligarquia dos EUA percebeu: a economia dos Estados Unidos também tem limites, guerras não geram investimento produtivo e a russofobia só pode levar ao desastre coletivo.
As políticas de confronto com a Rússia e a China, procurando recuperar um mundo unipolar já não existente, necessitam que a população seja totalmente desinformada e revoltada contra potenciais inimigos, instalando o consentimento para prosseguir guerras. É neste quadro que recebem Zelensky aos abraços e dizem estar "inequivocamente ao lado da Ucrânia" com apoio “incondicional” para vencer a guerra, enquanto a UE tem mais de 92 milhões de pessoas em situação de pobreza, 22% da população, os salários reais estagnaram, os Serviços Públicos de Saúde degradaram-se, os problemas da habitação e pobreza infantil agravaram-se.
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Tal como nos demais aspetos, também no campo militar a principal fragilidade dos burocratas e políticos da UE/NATO é guiarem-se pela própria manipulação informativa. Depois de sabotarem as diversas hipóteses de acordo sobre a Ucrânia e segurança coletiva na Europa, como todas as suas fantasias falharam agora sentem-se ameaçados, entram numa espécie de paranoia em relação à Rússia.
Apesar da Rússia repetidamente afirmar que não tem interesse “nem geopolítico, nem económico, nem militar” num conflito com a NATO, o SG da NATO considera a Rússia a maior ameaça à aliança. Não deixa de ser verdade, mas por culpa própria ao não atenderem à realidade. O chefe da inteligência alemã, Bruno Kahl, quer que o conflito na Ucrânia continue nos próximos cinco anos: "Um fim antecipado (!) da guerra na Ucrânia permitiria aos russos direcionar sua energia para onde eles realmente querem, ou seja, contra a Europa". O presidente do Comité Militar da NATO, Bauer quer que os países se preparem para um cenário de tempo de guerra.
Estas afirmações revelam a disfuncionalidade das lideranças, declarações sem nenhum plano para o efeito, sem previsão de investimentos definindo fazer o quê, quem, como e quando, ou seja, criaram um "cenário" virtual partindo do princípio que a Europa, os Estados Unidos e Kiev podem suportar mais cinco anos de guerra. Pelos vistos nem a opinião nem as vidas das pessoas envolvidas contam.
O cenário da França e do RU enviarem tropas para a Ucrânia, teve vários contornos. Chegaram a nomear as unidades que seriam destacadas e os locais de implantação. Ficaram a falar sozinhos, na UE/NATO nenhum outro país se mostrou "disponível" – não vale a pena falar dos "pinchers" Bálticos... O facto da Rússia, declarar repetidamente não aceitar nenhuma força da NATO estacionada na Ucrânia sob nenhuma circunstância, não impede que o novo chanceler Merz, um homem da Black Rock, se lhes junte, dizendo que Zelensky sabe que "pode contar comigo e com a Alemanha e quer reforçar o formato a que chama 'Eurotroika'", França, Alemanha e Reino Unido.
Para tentar inverter a situação da guerra na Ucrânia, a UE/NATO ou seus Estados-Membros, teriam que intervir militarmente em grande escala diretamente nas linhas da frente, contudo não têm nem os recursos militares e financeiros para o fazer nem a opinião pública o aceitaria, apesar da propaganda.
O equipamento da NATO fornecido à Ucrânia provou ser vulnerável aos sistemas russos e à guerra como é atualmente. Os Leopard, os Panzerhaubitze 2000 (17 milhões de euros cada), os Challenger, Abrams etc, apresentaram vulnerabilidades quanto à blindagem e manutenção. O sistema de defesa aérea alemão IRIS-T, custa 140 milhões de euros, cada míssil 560 mil euros. O sistema Patriot americano foi considerado "inadequado". Apesar dos Patriot terem sido sistematicamente destruídos, Zelensky pediu que que lhe fornecessem 10 sistemas Patriot (1,1 mil milhões de dólares cada) o que, incluindo mísseis (4 milhões cada), atingiria mais de 12 mil milhões de dólares. A indústria russa mostrou ser à prova de sanções, superando a NATO, incluindo os EUA, na produção de projéteis, tanques e drones, como os Geran, baratos, precisos e de longo alcance.
A guerra na Ucrânia, mostrou não só as vulnerabilidades do armamento da NATO, mas também outras fragilidades: as capacidades industriais da UE/NATO, a obtenção de matérias-primas, os anos para ser desenvolvido armamento capaz de se sobrepor ou equiparar ao russo e os custos de tudo isto, mesmo considerando apenas equipamento dito convencional, não nuclear.
O apoio a Kiev levou a que a NATO perdesse muito do seu potencial bélico e munições. Repor e aumentar a produção levará largos meses. Os 800 mil milhões de euros que a van der Leyen mencionou simplesmente não existem: será dívida a ser paga, quer entre ou não para as suas "regras" (!).
Para além do palavreado não existe um plano nem de produção nem de desenvolvimento, com tudo o que implica para se concretizar. Faltam trabalhadores qualificados e as questões da cadeia de fornecimentos são problemáticas, designadamente os materiais necessários para os equipamentos eletrónicos, o titânio fundamental para mísseis, etc. As dificuldades agravam-se dado não disporem de petróleo e gás não só para a produção de armas, mas também para uma operação em larga escala – alémdos custos. Note-se que a maioria das compras de e para armamento tem sido feita fora da UE, principalmente nos EUA.
Sem apoio militar dos EUA, a estrutura logística da NATO fica vulnerável quanto a movimentação de tropas, comunicações, captação de imagens do espaço, etc. Enfim, muita conversa sobre autonomia estratégica, mas esta Europa não dispõe de meios suficientes e adequados de aeronaves de transporte pesado, navios de carga militar, veículos necessários para mover tanques e unidades blindadas, defesas eletrónicas, etc, para tudo isto dependem dos EUA. Pensar que substituem os Estados Unidos no apoio militar e financeiro à Ucrânia é absurdo.
A UE não é capaz de entender que os EUA não estão preparados nem económica, nem militarmente, nem mesmo socialmente, para conduzir guerras em larga escala. Os EUA têm de parar na Ucrânia para se reposicionarem militar e financeiramente. Por exemplo, os estaleiros americanos construíram 70 navios em 1975, mas esse número caiu para cinco, 1% dos navios mercantes do mundo, a China comanda com mais de 50% da capacidade global. Os custos de construção nos EUA são mais caros, a produção mais lenta e dependente de uma frágil cadeia de fornecimentos. A marinha de guerra dos EUA com 295 navios é superada pela da China com 370 unidades. Um relatório do Royal United Services Institute expôs o que os belicistas se recusam a admitir: a Rússia é militarmente dominante. A Rússia tinha um plano bem estabelecido para mobilizar o sector industrial militar. A Europa não tinha um plano nem dados para o estabelecer. Os governos e a indústria não tinham noção das suas próprias cadeias de abastecimento, levando a uma competição interna maciça e a uma expansão desigual. A Rússia não só expandiu as despesas com a defesa, concedeu crédito às empresas militares apoiadas pelo Estado, numa estrutura de comando centralizada para permitir um crescimento rápido. Não é razoável esperar que a Europa, mobilize investimentos a um nível comparável. A fragmentação do mercado europeu de defesa fez com que o dinheiro fosse gasto de forma muito ineficiente, demonstrando ter uma base industrial de defesa manifestamente inadequada.
A Rússia ultrapassou também os países da NATO na tecnologia militar, com os seus mísseis hipersónicos, o novo TOS-2 Tosochka, termobárico pesado, os avançados sistemas de defesa anti míssil S-400 e o S-500 projetado para destruir mísseis balísticos e de cruzeiro hipersónicos, novos submarinos nucleares 945A Kondor-class com casco de titânio, praticamente indetetáveis, o míssil submarino intercontinental Poseidon, movido a energia nuclear. Os EUA estão muito longe dos Oreshnik, dos Avangard, dos ICBM Sarmat ou dos Poseidon.
As defesas aéreas ocidentais apenas podem atingir mísseis com velocidade de Mach 2,5. O Kinzhal atinge Mach 10, o Oreshnik mergulha sobre o seu alvo a Mach 12, o Avangard a mais de Mach 27. Em áreas críticas como sistemas de defesa aérea, as indústrias militares europeias não têm capacidade para suportar a guerra na Ucrânia e muito menos garantir a defesa dos seus próprios países. Esta é a realidade do belicismo europeu, à qual os políticos do sistema condenaram seus povos.
Um federalismo disfarçado de "europeísmo", entregou a soberania a uma burocracia que considera só dever obediência aos oligarcas. Enferma de todos os problemas comuns às camadas burocráticas: um poder de obediência cega a formalismos baseados em dogmáticas imunes à experiência e à crítica, impondo soluções, mas ignorando a origem dos problemas e mostrando-se indiferente às consequências das suas ações.
Políticos e burocratas do sistema são incapazes de visão de longo prazo, tentam sobreviver nos seus cargos, persistindo em narrativas em que apenas conclusões previamente estabelecidas são permitidas.
Neste caldo de cultura disfuncional a extrema-direita prolifera, em certos casos aparentando opor-se-lhe, apenas para nele tomar o lugar de comando, tendo parte da oligarquia do seu lado. A social-democracia pensa que resolve o problema adiando-o e ir adotando algumas das políticas da extrema-direita.
Tal como historicamente se tem verificado, só a luta popular pela plena soberania nacional e pela paz pode restituir a democracia.
3 - A disfuncionalidade ucraniana
Às várias fragilidades e disfuncionalidades que a UE foi acumulando pelos erros das suas "regras" e políticas baseadas em "suposições manipuladas" (Alastair Crooke), juntou como marcante do seu declínio apoiar o regime de Kiev.
O que pretende realmente a UE da guerra na Ucrânia, quando nem sequer há unidade entre os seus países na política em relação a Moscovo? O que significa concretamente repetir que a Rússia não deve vencer? Que não aceitam a alteração das fronteiras da Ucrânia pela força, como afirmou o chanceler Merz. Se fosse este o caso então a Jugoslávia ainda existiria e não teria sido objeto de "bombardeamentos humanitários".
Induz-se na opinião pública que apoiar o clã de Kiev é defender a Europa. Mas o que apoiam na Ucrânia? Pelos vistos "valores europeus" como declara o Partido Popular Europeu maioritário no PE: "É nosso dever moral ajudar e apoiar a Ucrânia na defesa dos nossos valores europeus comuns contra a agenda revisionista devastadora de um ditador implacável". Valores que no entanto desprezam totalmente no que respeita aos palestinos: "Outro elemento crucial deve ser a parceria União Europeia-Israel para reforçar o desempenho económico e a segurança do Estado de Israel, promovendo simultaneamente a cooperação regional, nomeadamente através de um diálogo regular sobre questões de interesse comum". Será que as pessoas que apoiam estes partidos estão de acordo com o genocídio em Gaza?
Escreve o General Carlos Branco: "No Ocidente passou a ser pecado falar de neonazis na Ucrânia, dando-se início à maior campanha de branqueamento de um regime político realizada até hoje. Complacência e promiscuidade do ocidente com as forças neonazis [e com a corrupção] que proliferam na Ucrânia".
Tulsi Gabbard (tenente coronel na reserva), atual Diretora de Inteligência Nacional dos EUA (controla 18 agências da CIA ao FBI), refere-se à repressão antidemocrática de Kiev: Cancelamento de eleições, silenciar e criminalizar partidos políticos, repressão à liberdade religiosa, suprimir a oposição política, controlo total do governo sobre os media. Gabbard confirma também que laboratórios de armas biológicas na Ucrânia foram financiados pelos EUA. "Fui chamada de agente russo simplesmente por falar a verdade e declarar factos que, aliás, ainda estão no site da Embaixada dos EUA na Ucrânia sobre como os EUA financiaram esses laboratórios biológicos na Ucrânia". Na UE, esta gravíssima situação às suas portas é silenciada, mantendo os cidadãos na total ignorância – mais um feito da "democracia liberal".
É neste contexto que Zelensky é aplaudido de pé em Parlamentos por partidos do sistema, Macron condecora Zelensky com a Ordem da Legião de Honra (!) e garante que a Crimeia é parte integrante da Ucrânia. Kaja Kallas, Alta Representante da UE para Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, diz que a UE nunca apoiará a perda da Crimeia. Fala em nome de quem?
Em pleno delírio cognitivo, Kaja Kallas, apesar da economia em crise, sem recursos energéticos baratos por sanções, incapacidade militar e desperdício de dinheiro em apoio à Ucrânia, afirmou que uma missão militar europeia na Ucrânia poderia assumir vários formatos, desde controlo, manutenção da paz e dissuasão. No seu raciocínio não entra a hipótese de a UE não nem ter condições nem mandato para tal ou avaliar as consequências.
A Ucrânia é um pesado fardo para os países europeus. Os montantes atribuídos aos poucos disfarçam a realidade que as populações ignoram. A renovação das FAU pode custar cerca de 175 mil milhões no prazo de 10 anos, dependendo do estado em que estiverem após um acordo de paz com a Rússia. A esse valor somam-se cerca de 486 mil milhões para a reconstrução do país, a que a Biderberg Economics chega com base em estimativas do Banco Mundial.
Segundo o Serviço Europeu de Ação Externa, até maio, a UE contribuiu com cerca de 158 mil milhões de euros em assistência financeira, militar, humanitária à Ucrânia. Depois de uma reunião em abril os países da NATO comprometeram-se com um novo pacote de "ajuda à Ucrânia" de 21 mil milhões de euros. Cada dia que passa todos estes valores vão aumentando. Somem-se ainda os custos para o pretendido desenvolvimento das capacidades militares da UE/NATO...
A palração sobre a unidade "transatlântica", já tinha deixado de fazer sentido mesmo antes de Trump. Para além de manifestações que se generalizaram nos diversos países contra a guerra e o belicismo armamentista prolongando uma guerra perdida, protestos dos agricultores levaram a limitar ou mesmo proibir a importação de uma série de produtos agrícolas da Ucrânia.
Por muita russofobia que a propaganda tenha alimentado, nos países mais afetados por refugiados ucranianos como os Bálticos, a Alemanha, mesmo o RU, gera-se a contestação à sua presença e apoios sociais recebidos. Afinal sentimentos negativos em relação, de uma forma geral, a vítimas do belicismo da NATO e exemplo da disfuncionalidade reinante na UE.
Falar da Ucrânia como entidade soberana capaz de qualquer iniciativa seja pacifica seja bélica, é uma falácia. A Ucrânia não tem meios, não tem autonomia, depende do que lhe dão e do que lhe mandam fazer. A operacionalidade militar é mantida não só com fornecimentos de armas e logística por satélite, mas com comando de generais do Estado Maior, conselheiros e instrutores de países da NATO, em particular franceses e britânicos, além de mercenários.
A degradação económica é total pela guerra e pela corrupção. O canal ucraniano Legitimniy afirma: "Os russos vão desmantelando todas as linhas industriais e de produção na Ucrânia. Nesse ritmo, até meados de 2026, tudo na Ucrânia estará destruído. Se o ritmo se intensificar enquanto a eficácia da defesa aérea ucraniana permanecer inalterada, a destruição completa da indústria ucraniana ocorrerá até o final de 2025". Os avanços da Rússia perto de Pokrovsk levaram ao fecho da principal mina de carvão, a maior siderurgia da Ucrânia funciona com carvão metalúrgico dos EUA, com as operações quase paralisadas.
A ajuda financeira europeia não poderá cobrir as despesas de guerra, funcionamento do Estado e mínimos sociais. Nas condições atuais os credores, entre os quais o FMI, têm-se recusado a amortizar dívidas à Ucrânia. Em suma, o clã de Kiev apoiado pelas elites europeias na miragem do mundo unipolar, vem destruindo o país desde 2014, esperando que os trabalhadores da UE/NATO continuem a suportar o seu poder e corrupção.
A UE insiste na hipótese da adesão da Ucrânia, ignorando o poder estabelecido das organizações neonazis no país, não evidenciando os custos da reconstrução, transferência de fundos agrícolas para agricultores ucranianos, etc, representando centenas de milhares de milhões de euros.
Perante o caos na Ucrânia o nacionalismo revanchista renasce na Europa em consequência da perversão dos valores democráticos e humanitários. A Hungria, a Roménia, a Polónia cobiçam partes do que resta da Ucrânia desenterrando idos históricos.
Não entendendo que a guerra na Ucrânia ditou o destino não apenas da Europa, mas do mundo unipolar do ocidente. As lideranças da UE/NATO prosseguem a narrativa de que Kiev tem de continuar a lutar com a Rússia para, talvez dentro de cinco anos, recuperar os territórios perdidos e vencer a Rússia. Sabem que não têm meios para enfrentar a Rússia, contudo esperam que os neocons, ou as suas políticas, voltem a dominar nos EUA. Por isso, procuram bloquear negociações de paz focados na intensificação da guerra. Não percebem que, com ou sem Trump, os EUA estão cansados do conflito na Ucrânia, têm que tratar dos seus problemas económicos e financeiros, de tecnologia militar e envolver-se em questões para eles diretamente muito mais importantes no Médio e no Extremo Oriente.
Muito convencido, o SG da NATO, Rutte, ansiando pela Terceira Guerra Mundial, garante que a Ucrânia se juntará à NATO. Sem se preocupar com inconsistências – ou mesmo o ridículo, face às circunstâncias – o ministro da Defesa alemão Pistorius, garantia que "a Ucrânia continuaria a beneficiar do nosso apoio militar conjunto. A Rússia precisa entender que a Ucrânia continuará lutando". Um país em que o recrutamento é forçado, feito em pleno dia nas ruas, cafés, mercados, etc, enquanto milhares de vidas se perdem nas linhas de frente. Na mesma onda, Kaja Kalas declara que a Rússia deve cessar as suas táticas dilatórias e acordar um cessar fogo imediato e incondicional (?!).
4 - Isolamento
As disfuncionalidades da UE quer económicas quer geopolíticas traduzem-se no seu isolamento geopolítico. A maioria mundial não segue nem os seus critérios económicos nem as suas presunções em política externa. A UE/NATO tenta agarrar-se ao passado e mostrar-se poderosa, mas as suas fragilidades são por demais evidentes, as suas posições são ignoradas internacionalmente. Como Putin tentou explicar ao enviado de Trump, a presunção que o âmbito e a duração de qualquer guerra dependem em grande parte do ocidente não corresponde mais à realidade atual.
A burocracia agarra-se aos oligarcas das conferências de Davos e de Bidelberg, para tentar gerir uma ordem imperialista unipolar que já não funciona e manter a sua precária posição internacional. Outro sinal deste declínio é a degradação da sua informação, mas o resto do mundo vê que o que dizem não é mais que propaganda, a maior parte das vezes desconexa, mesmo estúpida.
A burocracia europeia ao serviço dos neocons agiu como se o mundo não tivesse mudado desde que acreditaram que relativamente à Rússia "bastava dar um pontapé na porta e aquilo ia tudo abaixo", como os nazis achavam em 1941. Era o tempo em que a propaganda dizia que a Rússia andava à procura de circuitos integrados nas máquinas de lavar alemãs. Depois calaram-se... a guerra na Ucrânia, evidenciava as fragilidades económicas e militares do ocidente coletivo, incapaz de se opor à Rússia, economicamente consistente, dispondo de uma poderosa e tecnologicamente avançada indústria militar.
Tentaram, e tentam, fazer-se fortes, o Sul Global ignora-os. Em 2023, na CE Borrell dizia que a UE iria "punir" (?!) a Índia por comprar petróleo russo e a Von der Leyen chegou ao ridículo de querer fortalecer o confronto com a China! Em 2024, o 12º pacote de sanções da UE alargava o âmbito e incluía a reexportação para a Rússia de materiais considerados estratégicos. Também em 2024, uma declaração da NATO dizia que a China desafiava a segurança euro-atlântica e o SG destacava uma "séria mensagem" (!) a Pequim querendo que parasse de cooperar com a Rússia! Não entendem, que em termos geopolíticos a “Europa” se transformou numa península do continente Euroasiático gerido pela Rússia e pela China.
Tentando dar provas de existência, a UE/NATO e a Ucrânia anunciaram em 23 de abril a sua versão do acordo de paz, entregue à equipa de negociação dos EUA. Serviu para mostrar a sua disfuncionalidade. As condições eram as de um vencedor, a NATO, sobre um oponente em rendição incondicional, a Rússia: as questões territoriais seriam negociadas partindo da linha de contacto; exigiam garantias de segurança dos EUA semelhantes ao Artigo 5 da NATO; os EUA assumiriam a liderança da observância do cessar-fogo; a Ucrânia não teria restrições quanto às suas forças armadas, armamento e operação de forças estrangeiras no seu território; a reconstrução pós-guerra seria feita às custas dos ativos russos, que deveriam permanecer congelados até que a Rússia compensasse os danos à Ucrânia.
Esta descabelada versão de acordo, mostra os verdadeiros objetivos da UE/NATO: prolongar a guerra e envolver os EUA. A nomeação de Kallas como chefe de política externa da UE, agressivamente anti-russa é a escolha coerente com esta abordagem, embora isole ainda mais esta Europa.
A UE apenas se prejudica decidindo prolongar uma guerra para a qual não tem capacidade militar, industrial, apoio social. Terem-se iniciado negociações de paz seria uma oportunidade para a UE/NATO normalizar as relações políticas e comerciais com países vizinhos. Em vez disso, quem defende a paz, o desescalar da guerra cessando a deriva armamentista é liminarmente acusado – sem direito a defesa – de "putinista".
A decisão de Trump de não consultar os líderes europeus sobre as negociações, mostra a insignificância geopolítica destes últimos. Políticos e burocratas europeus acreditavam, como vassalos idiotas, que a lealdade servil às prioridades geopolíticas americanas lhes permitiria colher bons dividendos. Em vez disso, foram ignorados, demonstrando a sua incompetência: gerir implica prever.
Já lá vai o tempo em que os propagandistas repetiam que a Rússia, isolada da "comunidade internacional", tinha conseguido unir a UE e a NATO. Agora, tanto nos EUA como na UE/NATO acentuam-se divisões internas quanto ao prosseguimento da guerra; para os EUA está fora de causa a entrada da Ucrânia na NATO; o bloco exibe desunião, ausência de credibilidade, desinformação.
No contexto desta disfuncionalidade, a Sérvia e a Hungria assinaram acordos relativos à cooperação militar e defesa conjunta, em resposta à formação de uma aliança militar entre a Croácia, Albânia, Kosovo a que se juntou a Bulgária.
Os BRICS aos quais têm aderido e tencionam aderir numerosos países, o avanço diplomático, económico, militar da Rússia em África, as reuniões internacionais que convoca e lidera, deveriam servir para a UE estabelecer uma política externa pacífica e de segurança mútua, pondo de parte complexos imperialistas e neocoloniais, deixando-se das fantasias de grande potência da burocracia e seus propagandistas amestrados.
A China muda decisivamente o poder global desafiando a influência ocidental: 45 acordos económicos com o Vietname; um pacto estratégico com a Malásia; reuniões diplomáticas na Tailândia; cooperação militar e estratégica com a Indonésia. A Organização de Cooperação de Xangai cobre 80% da massa terrestre da Eurásia, representa mais de 40% da população mundial, possui uma participação de 25% do PIB global evoluindo para uma cooperação em questões de segurança da cadeia de abastecimentos.
A Rússia ultrapassou o Japão e a Alemanha sendo a 4ª maior economia do mundo em termos de PPC. O PIB da Rússia cresceu 4,1% em 2024, enquanto a UE estagna ou está em recessão. A Grande Parceria Eurasiática proposta por Putin em 2015, evolui criando zonas de livre comércio, parcerias comerciais e económicas, sistemas de pagamento independentes, integridade territorial, soberania económica.
As condições da Rússia para a paz na Ucrânia têm sido repetidamente expostas: qualquer solução para o conflito na Ucrânia terá de eliminar as causas, como a criação de ameaças de longo prazo à segurança da Rússia por meio da expansão da NATO e sua absorção da Ucrânia, além da desnazificação deste país. Quanto às regiões atualmente incluídas constitucionalmente na Federação Russa, assim ficarão.
O que pretende a UE/NATO? Declarar guerra à Rússia? Esgotar-se e esgotar humanamente a Ucrânia? O simples bom senso levaria a que a UE/NATO promovesse a paz e boas relações nas suas fronteiras e zona mediterrânica, em vez disso prossegue desastrosas políticas belicistas. Os países perderam competitividade, o bloco isola-se do resto do mundo, caminha se não para a desintegração, para um sombrio declínio. Está perante o dilema de parar o conflito na Ucrânia ou assumir o encargo de suportar uma guerra perdida e um país destroçado. Aos povos foi retirada a possibilidade de escolha quanto a estas questões, os belicistas e a oligarquia não se conformam em não comandar o futuro da humanidade.
Relembremos que a unidade das forças que lutam pela paz foi e continua a ser um lema maior para o progresso dos povos.
[Artigo tirado do sitio web portugués Resistir.info, do 11 e 12 de maio de 2025]